Entendendo melhor a microbiota e sua relação com a doença inflamatória intestinal

Entendendo melhor a microbiota e sua relação com a doença inflamatória intestinal

O corpo humano abriga trilhões de microrganismos, incluindo bactérias, vírus e outros organismos unicelulares no intestino. Coletivamente esses microrganismos são conhecidos como microbiota e são indispensáveis para o indivíduo. Nos últimos anos, crescente atenção vem sendo dada a microbiota em diversas doenças, incluindo a doença inflamatória intestinal.

Não temos contato com bactérias dentro do útero, mas isso muda radicalmente durante o parto e nas primeiras semanas de vida. Os 3 primeiros anos de vida correspondem ao período mais crítico para a formação da microbiota e, são também, os de maior susceptibilidade a interferências do meio ambiente. A simples perturbação da microbiota causada pelo uso de antibióticos no primeiro ano de vida parece aumentar em 5 vezes o risco de desenvolver doença inflamatória intestinal na idade adulta.

A microbiota intestinal sofre flutuações na sua composição, por diversas causas, como infecções, uso de antibióticos e mudanças na dieta; no entanto, tende a retornar ao padrão de composição típico de cada indivíduo. Vem-se observando uma redução na diversidade da microbiota nos países desenvolvidos, que ao menos em parte pode ser atribuída a mudanças ocorridas nas últimas décadas. que levaram a melhora das condições higiênico-sanitárias e alterações nos hábitos alimentares, com menor consumo de frutas e vegetais, maior ingestão de carnes, açúcares e alimentos industrializados, com grande quantidade de conservantes e maior acessibilidade a medicamentos, incluindo antibióticos. A universalização da luz elétrica permitiu o armazenamento de alimentos em melhores condições e por mais tempo. Um exemplo fácil de perceber esta mudança é o leite, alguns anos atrás mesmo conservado em geladeira o leite azedava, pois havia crescimento de bactérias que alteravam o sabor em 1 ou 2 dias. Atualmente, é possível manter o leite em geladeira por dias pois há adição de substâncias que impedem o crescimento de bactérias que estragam o leite, mas que também irão interferir com o crescimento das bactérias da microbiota intestinal. Outras substância presentes nos alimentos industrializados sabidamente interferem com a microbiota como: óxido de titânio (corante amarelo), polisorbato 80 (emulsificante).

A melhora nas condições higiênica-sanitárias também restringiu a troca de bactérias de uma pessoa para outra, aumentando a diferença da microbiota entre os indivíduos. Assim, alguns indivíduos podem ter uma microbiota mais suceptível à doenças e as mudanças no meio ambiente, como por exemplo no uso de antibióticos. Para facilitar a compreensão do que isto significa, vamos imaginar 2 cenários diferentes: indivíduo 1 que alberga 100 tipos de bactérias no intestino e indivíduo 2 apenas 10 tipos. Se ambos tomarem o mesmo antibiótico que irá matar 3 bactérias, isso representará uma mudança na microbiota na ordem de 3% no indivíduo 1, que poderia passar despercebido, mas para o indivíduo 2 a mudança seria de 30% e poderia ser suficiente para causar sintomas.

Pacientes com doença inflamatória intestinal (Doença de Crohn e Retocolite ulcerativa) têm mudança da microbiota caracterizada pela redução na diversidade e número de espécies de bactérias, aumento da diversidade e do número de vírus e fungos, apesar de ainda não estar claro se estas alterações são causa ou efeito da inflamação intestinal. Essas alterações podem ser agravadas por fatores como a exposição recorrente à antibióticos e medicamentos, a própria inflamação intestinal e mudanças alimentares nesses pacientes.

A valorização da importância da composição e diversidade da microbiota, bem como a sua modulação por fatores ambientais e individuais, possibilitou um melhor entendimento da doença inflamatória intestinal, além de abrir novas perspectivas para tratamentos futuros, a partir do maior entendimento sobre esse complexo relacionamento da microbiota e indivíduo.

WhatsApp